Foi Só Uma Brincadeira Além do Machismo, a Lógica da Pedofilia

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A atitude dos brasileiros que faziam uma “brincadeira” com uma mulher na Rússia, falando de sua genitália sem que ela entendesse, já que não falava o português, causou indignação. Milhares de mulheres brasileiras se identificaram com a vítima que, inocentemente, repetia a grosseria dos seus algozes.
Muito temos para falar sobre o machismo que estrutura, ainda hoje, nossa sociedade. Certos homens, por insegurança sobre sua masculinidade, entendem que qualquer presença feminina não pode ser outra coisa que uma provocação. Qualquer gesto, seja um olhar, um sorriso ou a forma de se vestir, na fantasia destes, está a serviço de confirmar um desejo, um sinal verde por parte delas. Diante disso, cabe agir, demonstrar sua virilidade, numa atitude erotomaníaca de projetar seus desejos e fantasias no outro.
Ouvi muitos comentários bizarros sobre o assunto. Entre eles, um rapaz defendia que quem está na chuva pode se molhar, ou seja, estádio de futebol não era lugar para uma mulher inocente. Trata-se da mesma lógica da burca. Esse cerceamento da circulação social das mulheres pressupõe que sua presença desperta uma incontrolável mobilização do desejo masculino. Promovem o exibicionismo do macho por temor dos efeitos impactantes que o corpo feminino lhes produz. Esse tipo de agressor, na realidade, tem medo das mulheres e reage com a violência dos animais acuados.
Um dos participantes se defende dizendo que foi só uma brincadeira. Acontece que esse tipo de “brincadeira” reforça papéis estereotipados e rígidos, torna comum o assédio, a violência, cria ambiente para o abuso emocional, físico e financeiro e pode culminar no feminicídio.
Embora a atitude vergonhosa se enquadre perfeitamente nesse funcionamento machista (e muito se falou sobre isso), cabe falar também de outra lógica que rege o fato.
A psicanálise nos ensinou que é comum que as coisas encontrem representações no seu contrário. A atitude, embora tenha sido sentida pelos protagonistas como gesto de poder, tem em suas bases mais profundas uma covardia. Em Psicologia Das Massas e Análise do Eu, Freud elucida que, em meio à multidão, o indivíduo sente-se desresponsabilizado de seus atos. O eu dilui-se na massa permitindo que conteúdos inconscientes, reprimidos, venham à tona. Os estádios, assim como o ambiente virtual, acaba sendo um reduto para covardes que só podem agir na sombra. Dentro do grupo, na fantasia do momento, estes teriam suas identidades despercebidas.
A covardia maior, no entanto, está um pouco além. É que o gesto dos brasileiros na copa tem uma equivalência com a pedofilia. Não estou com isso tentar acusar os protagonistas do caso de serem pedófilos, apenas lançando luz na lógica de seus atos.
Na pedofilia, o prazer, embora passe pelo sexual, não está no sexo em si. O que os pedófilos mais apreciam é a ingenuidade da vítima. Seu gozo se dá na assimetria das posições: a inocência e a surpresa da vítima potencializa o efeito prazeroso, pois quanto mais vulnerável seu objeto, maior e mais potente será o gozo. A escolha de objeto diz muito a respeito de nós mesmos. Podemos dizer que um abusador procura sua vítima onde parou a maturação de sua sexualidade.
É no território do sexo que a verdade mais escondida de cada um se revela. Fora da situação assimétrica, como conseguem com uma criança (ou uma mulher que não sabe o que está acontecendo, pois desconhece a língua e a cultura), eles voltam a ser os fracos e impotentes que sua sexualidade requer.