O Fascista que Nos Habita

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Calma, nem todo mundo é fascista. Pelo menos não como aqueles que exterminam imigrantes ou assassinam homossexuais. Mas diante do desfile surreal que aconteceu na última sexta-feira, na cidade de Charlottesville, no Estado de Virgínia, EUA, falar sobre o tema é no mínimo apropriado. Foram centenas de pessoas carregando tochas, fazendo saudações nazistas e gritando palavras de ordem contra negros, homossexuais, imigrantes e judeus. O movimento resultou em uma pessoa morta e várias outras feridas. Não se trata de um fato isolado. No mundo todo, o discurso de ódio e intolerância está crescendo e entrando em tonalidade extremada.

Para definir a onda de intolerância que avança sobre o Brasil e o mundo, muito se tem usado o termo “fascismo”. Mas o que é fascismo? O psicanalista Wilhelm Reich define o fascismo como “a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas primárias e cujos impulsos têm sido reprimidos há milênios”. Ele considera que o fenômeno do fascismo é sempre atual e presente na sociedade capitalista, não sendo restrito a uma nacionalidade, e afirma ainda que “não existe um único indivíduo que não seja portador, na sua estrutura, de elementos do pensamento e do sentimento fascistas.”.

Nessa mesma direção, o filósofo alemão Theodor Adorno, quando em solo Norte Americano, observou que existia nas pessoas de lá fortes características autoritárias, muito parecidas com as dos alemães da época. Desenvolveu então, a partir de estudos interdisciplinares, a escala fascista, uma escala que se propõe a medir, a partir de traços de personalidade, o fascismo potencial, que estaria latente em todos nós. Ele estava em posição adequada para pesquisar o assunto, pois viu a ascensão do nazismo e, horrorizado, testemunhou a massiva adesão popular às ondas de indignação mais grotescas. Os oradores exaltados não eram pessoas delinquentes. Eram os “cidadãos de bem”, que reivindicavam a eliminação dos culpados por degradar a honra da sociedade ideal que buscavam.

De procedência judaica, Adorno pertencia à categoria dos que deveriam ser eliminados. Exilou-se nos EUA para se proteger da barbárie, enquanto do outro lado do Atlântico, os nazistas vociferavam o quanto sua pátria, humilhada e reduzida ao descrédito, deveria ser vingada.

Existe um ditado que diz que aquele que levanta a voz suspeita não ter razão. De fato, o diálogo, o argumento ponderado, o raciocínio e a fala articulada são expressões de inteligência. Os atos de intolerância e de violência, por outro lado, podem ser considerados mecanismos arcaicos, muito rudimentares, aos quais recorremos de forma quase automática quando enfrentamos crises de identidade.

De modo muito simplificado, podemos entender que nas sociedades capitalistas existem duas grandes classes fundamentais: a classe dominante, composta por poucos que detêm a propriedade privada dos meios sociais de produção; e a classe trabalhadora, que só tem a sua força de trabalho. Entre essas duas grandes classes, fundamentais no sistema capitalista, existe a classe média. Mas enquanto a classe dominante tem um lugar claro e bem definido na economia e na politica, assim como a classe trabalhadora tem seu lugar como força de produção e, quando organizada em sindicatos e movimentos sociais, é detentora de um poder social, a classe média não tem lugar definido. Ela não possui os meios privados de produção, assim como não detém a força produtiva e a produção da mais valia.

Como a classe média, não tendo lugar definido, mantém sua identidade? Nas suas próprias bordas. No entanto, nos períodos de crises, as turbulências raramente irão atingir de forma mais intensa a classe dominante, os ricos. Mas a classe média oscila frágil em meio à tempestade. Seu poder aquisitivo diminui, tornando seu status social fragilizado. Parecer-se com os pobres abala um dos fundamentos de sua identidade: o prestígio. A pobreza e a miséria dos outros deve emoldurar seus contornos. Por isso ela é, de forma geral, conservadora. Sentindo-se frágil e vulnerável, seu discurso é o da ordem.

O fascismo potencial tende a crescer e tomar corpo a partir da frustração social ou individual. É por isso que um dos traços característicos dos fascismos históricos, nas palavras de Umberto Eco, foi o apelo a uma classe média que, por ter a estrutura de identidade mais vulnerável, se frustra mais facilmente, sofrendo sob alguma crise econômica ou humilhação política, assustada com a pressão dos grupos sociais abaixo dela.

Os alemães, no lugar de procurar uma solução inteligente, encontraram seus bodes expiatórios: judeus, negros, ciganos, comunistas e homossexuais foram perseguidos. Caíram na armadilha tentadora das respostas fáceis: o problema é o outro, basta eliminá-lo. Destruíram e foram também destruídos. E como nos adverte Reich, o fascismo é sempre atual. Neste momento, os limites que separam os mais pobres dos médios ficaram mais tênues, seja pelo avanço da classe baixa em direção à classe média no Brasil dos últimos anos, seja pela instabilidade vivida por esta última no mundo todo, diante de mais uma crise do capitalismo.

Leandro Azeredo de Brito | Psicologia & Sociedade