Ando Só – Sobre Os Que Estão Solteiros

publicidade

 

Dia dos namorados chegando e um dos assuntos recorrentes na clínica nessa época parece ser comum na vida de muitos solteiros: a ansiedade em enfrentar novamente as reuniões de família e não encontrar lugar na conversa de seus irmãos, primos, pais e sobrinhos, todos adequados à condição de casal.

Um paciente me conta que mesmo não tendo ainda constituído família, nas ocasiões em que aparecia nesses eventos acompanhado, sentia-se muito melhor. Pelo menos não se achava peixe fora d’água. Por que é que nós – pergunta ele – os que não estão engajados na empreitada da reprodução, são tratados como extraterrestres?

Na verdade, me surpreenderia se assim não fosse – respondi – dado o quanto somos bombardeados por mensagens excessivamente melosas. O amor tornou-se uma obsessão. Uma série sobre um assalto planejado à casa da moeda espanhola; um filme apocalíptico; uma história de super-heróis; ou mesmo uma série excêntrica sobre zumbis – o que estas narrativas têm em comum? Todos trazem no meio um romance, cenas de paixão, confissões de amor e de desejo ou ainda, como é comum nas histórias de heróis, um amor impossível.

A fonte maior do mal estar sentido pelo meu paciente, no entanto, provavelmente seria outra, pensei. “E a namorada?”; “Vai ficar pra titia, hein!”; “Esse rapaz não quer me dar netos!” E assim seguem as reivindicações familiares. Em toda reunião, parece haver uma cobrança pela legitimidade que os pareados desfrutam. A família, que os mais conservadores com seus discursos apocalípticos profetizavam estar ameaçada, nestes dias desesperançosos parece carregar ainda mais força e prestígio. Ela ainda impõe seu padrão nuclear de casal com filhos como um lugar seguro para construção da personalidade e transmissão de valores.

Seria essa a explicação, não fosse pelo detalhe de meu paciente ser homossexual. Quando levava algum parceiro, embora a família fosse bem tradicional e conservadora, sentia que era tratado com mais gentileza por eles.

Seguimos assunto adentro. Não são apenas os solteiros que sofrem a hostilidade ou indiferença dos pareados, disse eu, mas também os separados e muitos viúvos. É comum estes trazerem também essa sensação de que estão ocupando um lugar errado, vivendo de forma inadequada.

O que ocorre é que o fato de se estar em uma relação, embora carregue a possibilidade de muitos momentos bons, acaba sendo idealizada ao extremo. Só vemos o lado bom. Ao se fazer uma escolha, temos obviamente um ganho. Mas o que fica recalcado é que ao escolher, fechamos outros caminhos, limitando o nosso horizonte de possibilidades.

A letra de Humberto Gessinger denuncia o caráter ambíguo da solidão: “Ando só | Como um pássaro voando | Ando só | Como se voasse em bando | Ando só | Pois só eu sei andar | Sem saber até quando.“ Estar só, embora possa ser triste, é condição de autonomia. Os solteiros podem representar uma liberdade que já foi daqueles que agora optaram por uma vida a dois. Não apenas isso, mas estar diante de um solteiro pode nos remeter à fragilidade dos laços afetivos, às empreitadas amorosas que resultaram em fracasso, aos vínculos já desfeitos e à própria morte.

Por isso, nesse dia dos namorados, aos que “andam sós como pássaro voando”, e que terão de se haver com um possível constrangimento de familiares, entendam que estar diante de um solteiro pode ser equivalente, para os que perderam essa condição, a estar diante de uma liberdade perdida. Os solteiros despertam fobias, mas também desejos.

Estar sozinho pode ser difícil e doloroso em alguns momentos, mas ter a possibilidade de escolher seu caminho provoca os que estão em outra condição. Aos solteiros, no geral, raramente faltam amigos para dividir alegria e dor, além dos amores que mesmo passageiros, podem ser intensos.