Copa do Mundo: Lugar de Pensar Nossos Sintomas

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Leandro Azeredo, coluna Psicologia & Sociedade

Amanhã teremos a final da Copa FIFA 2018, na qual se enfrentarão em campo Croácia e França. Apesar das críticas sobre o futebol como lugar de alienação, o “ópio do povo”, não se pode negar a outra face do esporte: o futebol traz também a capacidade de nos unir. Freud, no livro O Mal Estar na Civilização, fala sobre uma sensação de sentir-se fazendo parte de algo maior do que a si mesmo.

Para o inventor da psicanálise, esse sentimento consegue romper a barreira entre o “si mesmo” e o mundo exterior, tendo a função de restaurar o estado onde não existia nenhuma diferenciação entre a criança e o exterior, um estado de narcisismo ilimitado, onde nos sentíamos indissolúveis com o mundo. Esse sentimento nos traz uma segurança, remetendo a um momento onde, na fantasia, nada poderia fazer-nos mal.

De uma forma equivalente, a união entre os torcedores permite o esquecimento momentâneo das nossas próprias diferenças. Neste instante, o adversário é o outro time, a outra torcida, o mundo externo, e não a pessoa que está ao nosso lado.

Torcer por um time é uma experiência totêmica, de pertencimento. É carregar nossas cores, nossa bandeira. Quando nossas insígnias de filiação nacional a coisas mais sérias, como a política ou a religião enfraquecem, as coisas “irrelevantes” ganham relevância. O futebol talvez seja a mais importante das coisas irrelevantes. Nos momentos em que somos mais destituídos de referências, tendemos a leva-lo mais a sério.

Especialmente para nós, brasileiros, o futebol é uma das poucas instituições em que conseguimos representação para uma identidade nacional. Apesar de não termos inventado o esporte, criamos um jeito particular de jogar: jogamos com menos disciplina.  Nosso futebol tem menos cálculo e mais improviso. O nosso jogo é o da malandragem, das jogadas inesperadas. Como se sem os meios nem a força necessários, tivéssemos que vencer na ginga.

Mas se o esporte pode servir como forma de alienação, podemos também fazer o caminho inverso: a forma como nos relacionamos com o esporte diz algo a nosso respeito. Para Cristian Dunker, psicanalista e professor da USP, o 7 a 1 que levamos contra a Alemanha, na copa passada, tem características de um trauma. Na psicanálise, algo só é traumático se ocorre pelo menos em dois tempos. A derrota contra a Alemanha se liga a outras derrotas passadas, como na final contra a França ou contra o Uruguai.

E o que acontece é que no lugar de enfrentar o trauma, absorver seu significado e refletir com ele para tentar evoluir e crescer de alguma forma, o que fizemos foi partir para a negação da catástrofe. Fora dos estádios, nosso comportamento não tem sido muito diferente. Tanto em 1950 contra o Uruguai quanto em 2014 contra a Alemanha, passávamos por um período particular: o Brasil voltava a acreditar em si mesmo, a pensar que teria um futuro. Isso aconteceu poucas vezes na história do país.

Em 2014, o Pré-sal começava a bater recordes de produção, estávamos prestes a fundar, junto com Rússia, China, Índia e África do Sul, um novo banco mundial, capaz de fazer frente ao FMI. A taxa de desemprego era uma das menores da história e começamos o projeto de nosso primeiro submarino nuclear.

Tínhamos tudo para vencer em campo e fora dele, mas apesar das perspectivas estarem a nosso favor, fomos novamente derrotados. Após o traumático 7 a 1, não perdemos apenas o hexa: perdemos o pré-sal, direitos trabalhistas e a privatização de áreas estratégicas para nossa soberania, o que possivelmente trará um prejuízo enorme aos nossos filhos e netos.

O 7 a 1 da copa de 2014 parece ter abertos velhas feridas, como a ideia de que “não nascemos para vencer” e o nosso velho complexo de vira latas. O hexa, que não ganhamos na copa passada, também não veio nessa. Mas sempre haverá outras copas, assim como novas eleições (assim esperamos).

Que possamos então refletir sobre nossas derrotas e superar nossos traumas. Sem falarmos sobre nossos fracassos, estaremos fadados a repetir nossos velhos sintomas.