Longe de casa, longe do amparo

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Feriadão de Páscoa chegando e muitos vão viajar, usufruir de merecido descanso. Mas ter um tempo livre não significa ser capaz de gozá-lo. Para alguns, sair temporariamente de cena sinaliza uma angústia que pode emergir com diferentes roupagens.

Carlos havia deixado tudo preparado. Comprou o ingresso junto com uma turma de amigos. Tinham decidido, já há quatro meses, que iriam ver uma de suas bandas preferidas em São Paulo. Tinha medo de viajar de avião.  Embora tivesse 25, quase nunca viajava sozinho e muito pouco tinha se ausentado de sua pequena cidade. Desta vez, como os amigos moram em São Paulo, local de destino, viajaria desacompanhado. Uma ansiedade o tomava, mas tentava manter tudo sob controle. Ele se tranquilizava pensando que seus amigos da capital o estariam esperando. Depois de aterrissar, era só pegar um uber e passar o endereço do apartamento ao motorista. De lá, todos iriam juntos ao show, voltariam para casa e tudo ficaria bem.

Mesmo assim, no dia da viagem, a ansiedade aumentou. Carlos sentiu náuseas e dor de barriga. De pensar que ficaria três dias longe de sua rotina, de sua casa e seu trabalho, um mal estar o tomava. No avião suou frio, tenso. Ao chegar em São Paulo, pegou o uber conforme planejado, mas dentro do carro disfarçava a farpa de medo que se instalava. E se ele não me levar ao endereço certo? O que vou fazer?

Sei que não é assim pra todo mundo, há os que saem de cena tranquilamente e empreendem pequenas ou grandes viagens, sozinhos ou acompanhados, sem grandes perturbações. Mas para outros, viajar sozinho pode despertar angústias muito primitivas.

Segundo Freud, em nosso desenvolvimento psicossexual, transitamos da fase oral, caracterizada por uma extrema dependência, para a fase anal, marcada pelo controle dos esfíncteres. Nesse momento, o bebê começa a desenvolver uma maior autonomia e consegue se distanciar um pouco mais da mãe, representante de amparo, proteção e segurança. Isso resulta em emoções ambivalentes, pois ao mesmo tempo em que a maior independência em relação à mãe é sentida como prazer (agora posso explorar o mundo), ela desperta também uma ansiedade de separação que se origina da dúvida: distante da mãe conseguirei sobreviver? E se me distanciar muito e me perder pra sempre? E se ela nunca mais me acha?

A ansiedade de Carlos frente ao desconhecido é comum a de muita gente e ela tem uma equivalência com esses períodos da infância primitiva. O filme Gravidade, de 2013, consegue provocar essa sensação nos que assistiram suas cenas espaciais. Para sobreviver depois de um acidente no espaço, a astronauta precisa se desprender do cordão (umbilical?) que a liga à nave, e com pouco oxigênio chegar até a estação mais próxima, até conseguir retornar a Terra, a “nave mãe primeira”. Fora da Terra, o espaço vazio não fornece um ambiente que sustente a vida. Se falhar, ela será destruída pelo espaço frio e inóspito. A fantasia de perder a orientação e de cair para sempre, o horror de sentir-se impotente frente a uma situação que pode ser aniquiladora coloca em evidência nossa fragilidade, fazendo-nos sentir como um quase nada diante da força destrutiva à nossa volta.

Sair de cena, distanciar-se do nosso lugar e da nossa rotina é desejável, mas quando a angustia que vem junto é muito forte, ela é vivida como um temor desesperador de se ver só e abandonado.  Mas assim como a astronauta do filme, em algum momento é necessário desprender-se do cordão da nave mãe e alçar voos maiores. Quando apesar do desejo de viajar o medo se faz presente, pensar que nossa casa, nosso lugar de retorno está no mesmo lugar nos aguardando pode diminuir essa ansiedade.