Não me deixe só, olha pra mim!

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O pequeno Davi, com quase dois anos de idade, se esconde atrás da cortina, protagonizando uma cena que todos devem estar já imaginando. Seus pés ficaram expostos, denunciando sua presença, e junto da expectativa de satisfação em ser encontrado pelo pai, naquele volume visível de pano, reina também o temor da solidão: e se eu não for visto? Serei esquecido aqui para sempre?

Ao se refugiar, Davi começa a entrar em contato com seu espaço individual. Mas a criança ainda não desenvolveu o que o psicanalista Donald Winnicott chamou de capacidade de estar só. Por isso, Davi faz um movimento ambivalente: se esconde, mas garantindo que será encontrado.

A capacidade de estar só não tem relação com o ato de isolar-se como um eremita, ou ser um solitário. Também não está alinhado com o delírio individualista de nossos tempos, que tenta nos convencer que somos autossuficientes.

Para falar sobre o conceito, o psicanalista usa uma imagem dos momentos em que uma criança bem pequena brinca distraída do mundo e entregue à imaginação, sob a presença do olhar materno ou sabendo que ela se encontra por perto. Pouco a pouco, conforme a cena vai se repetindo ao longo do desenvolvimento, a figura da mãe, junto com toda a proteção que ela representa, vai sendo aos poucos introjetada e incorporada à estrutura simbólica, dando o suporte necessário para tolerarmos, quando adultos, alguns momentos limitados de solidão.

O que temos visto, no entanto, é que ficar sozinho não é tarefa fácil. O estado da solidão é acompanhado de angústias que advém de fantasias que nos povoam, de algumas culpas e do medo de jamais conseguirmos atingir um ideal que impomos para nós mesmos. A solidão traz à tona a nossa condição de castração, que tem por base o medo da separação da mãe, um objeto altamente valioso.

A impossibilidade da criança (e mais tarde o adulto) simbolizar a falta desse objeto de amor e de buscar formas satisfatórias de saciar temporariamente essa privação é que desencadeia ansiedade. Sendo indefesa na ausência do outro, a criança se sente desamparada, pois não sabe suprir as próprias necessidades. Freud, em uma de suas obras, afirma que o adulto, muitas vezes, irá se comportar como essa criança com sua angústia, principalmente quando se sente inibido diante de suas possibilidades de satisfação no mundo externo. Dessa forma, esse adulto “começa a sentir medo tão logo fica sozinho, ou seja, sem uma pessoa de cujo amor se acredite seguro, e a querer aplacar esse medo através das medidas mais pueris”.

Apesar de existirmos sempre em relação ao outro, nunca seremos vistos pelo outro de forma plena. Neste sentido, seremos sempre solitários, seres incompletos à procura de retomar um lugar de importância que já ocupamos, e que um dia perdemos: o de viver em fantasia de ser um só com a mãe.

É difícil acreditarmos que é dentro de nós mesmos que deve existir um lugar seguro, pois isto implica em dar conta que o outro é outro, não sou eu, o que às vezes é sentido como insuportável, pois significa ainda que terei de carregar o peso de minha própria existência.

Somos como o pequeno Davi, quando se esconde: queremos alguém que, com júbilo nos encontre, como se fôssemos o que de mais precioso pudesse existir. Mas nosso limite, nossa falta e nossa solidão nos pertencem e a grande questão é o que fazer com isso.

A saída não está na negação de nossa incompletude, que nos leva para a ilusão da autossuficiência. Tampouco está na busca desesperada em ser encontrado, nos assegurando assim que somos alguém. Existimos também quando ninguém está nos vendo. A solução está mais para assumirmos a responsabilidade de nossa existência, e ao mesmo tempo reconhecer para esse outro a dependência que temos dele, sem o culparmos pela angústia que isso nos provoca.