O valor da tristeza e a ditadura da felicidade

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Para Vinícius, “tristeza não tem fim, felicidade sim.” O poeta nos provoca nesse clássico, lembrando um fato um tanto desconcertante: a felicidade é breve, rara e passageira, enquanto a tristeza está sempre à espreita, não desperdiçando sequer uma oportunidade para nos fazer uma visita. Ele diz ainda que “a felicidade é como a pluma, que o vento vai levando pelo ar: voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar.”

Gastamos grande parte do nosso tempo nos esforçando para produzir esse vento, cuidando para manter a pluma da nossa felicidade sempre no alto, mas não são poucos os que defendem que exageramos. Claro que ninguém é contra ser feliz, nem poderia ser. Mas a busca da felicidade como um estado permanente tem se tornado uma obsessão contemporânea. O termo “ditadura da felicidade” descreve muito bem a tendência atual para evitar a melancolia e desmerecer qualquer possibilidade de contato com a tristeza, como se houvesse nela uma anormalidade.

Somos bombardeados por anúncios de TV, propagandas de supermercados, livros de autoajuda ou ainda medicamentos tarja preta, todos parte de uma indústria que lucra absurdamente, surfando na onda do discurso da felicidade permanente.

Ironicamente, a Organização Mundial de Saúde estima que em pouco mais de uma década a depressão será a principal doença diagnosticada. Apesar do imperativo da felicidade, nosso estilo de vida tem produzido tristeza e depressão. Por que esse paradoxo?

A pessoa entristecida sente falta de algo que não se apresenta com contornos bem definidos. Ela não sabe o que é, e nesse momento, nada do que o mundo possa lhe oferecer irá preencher esse vazio. Ocorre que em sociedades capitalistas, isso é visto como uma afronta, e no lugar de mergulharmos em nossa tristeza e nos sujeitarmos ao seu poder transformador, somos levados a consumir. Para nossa subjetividade, oriunda do mundo capitalista dos objetos de consumo, isso é o canto da sereia. Compramos roupas, sapatos ou medicação, mas não acabamos com esse vazio.

O problema é que essa campanha incansável pela felicidade oculta o fato de que viver momentos de tristeza é condição inseparável da vida. Por isso, quando bate em nossa porta, ela deve ser tratada como hóspede da maior importância, pois se trata de uma emoção que nos interioriza, nos leva à introspecção, contrária à impulsividade.

A tristeza opera em nós desde muito cedo, quando ainda somos crianças e temos que nos haver com nossa castração: repentinamente, as pessoas que amamos deixam de nos olhar como se fôssemos a ultima bolacha do pacote. Isso dói, mas é só na puberdade – fase cheia de desesperanças – que saímos suspirando por aí. Na vida adulta ela continua, está no desemprego, nas desilusões amorosas e muitas outras. Nas situações de luto, a morte espalha seu absurdo em cada detalhe que atentamos nossos olhos. Na velhice, lá está ela novamente. O corpo já não é o mesmo e perdemos papéis que desempenhávamos no trabalho e na família.

O problema é quando nos paralisamos diante de uma dor muito grande, aí sim corremos o risco de entrar em um processo depressivo. Nesses casos, os medicamentos possibilitam uma saída, mas apenas um arranque para não ficarmos presos a um estado de congelamento. Fora isso, a tristeza deve ser vista como um habitat de novas possibilidades. Para que a felicidade seja possível novamente, é indispensável atravessá-la. Como canta Caetano, “tristeza é senhora. Desde que o samba é samba é assim!”