“Sound of Metal” – parabéns, nota 0

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Por Ana Beatriz Rodrigues*

São 16:59, a 93.ª cerimônia de entrega dos Academy Awards, vulgo Oscar, começa às 21h e eu ainda não entendi como que a academia pode ser tão inconsequente em cogitar indicar um filme tão péssimo como “sound of metal”. Se existe um bêbado na ponta de um precipício, certamente a Academia é quem o empurrará morro a baixo.

O filme é de 2019 e retrata, muito porcamente, a vida de Ruben, baterista de uma banda de metal que fica surdo. O filme não se empenha em explicar como pode ter perdido tanto em tão pouco tempo, mas é só um dos relaxos do roteiro que é mais porco que banheiro de rodoviária.

Se perder a audição é ruim, esse filme só faz o processo de readaptação algo absurdamente pior. De longe é o pior filme que já vi. E sim, eu já assisti a saga crepúsculo. O filme é tão ruim que faz o tedioso “Vende-se Esta Casa” parecer uma obra prima super empolgante.

Não é à toa que está no Amazon Prime, que custa 10 reais por mês. Pra ter esse tipo de filme deveriam é pagar essa quantia pras pessoas assistirem. É um filme sobre surdez que não possui, na plataforma, recurso de acessibilidade…para surdos. Cancelamento de assinatura garantido.

A única coisa que –acho- acertaram foi na linguagem de sinais, pelo menos se deram ao trabalho de procurar um intérprete de verdade porque em todo o resto passaram um trator de ignorância e descaso por cima.

Cena do filme “Sound of Metal” (Divulgação)

Tentam, com muita força de vontade, reproduzir como o som chega pra pessoa quando ela está perdendo a audição, e mesmo assim falharam. Acertam em ser oco, mas ainda deixam a definição das palavras. É altamente questionável como o personagem pode não responder quando escuta, ainda que o som pareça distante.

Talvez, se eu tivesse estômago, após assistir 100 vezes ao filme conseguiria entender porque realizaram um implante coclear sem tentar outros implantes menos invasivos ou próteses externas. Entretanto, o que mais chama a atenção é realizarem a cirurgia sem explicar como funcionaria o dispositivo e o processo de adaptação. Fica nítido no filme que ele não fora comunicado que o implante coclear só seria ativado após 04 semanas de sua inserção e que não escutaria com a perfeição de antes. Uma pergunta que fica: de onde tiraram que o som que chega é tão ruim a ponto do personagem depender da leitura labial e preferir ficar sem?!

O que consegui aprender com o filme: Se você perder a audição antes da velhice, o único lugar em que você se encaixa é num acampamento para surdos, que fica no meio do mato. Não existe mercado de trabalho pra você, nem nenhum objetivo a ser perseguido. As pessoas vão te responder por pena e constrangimento, é melhor ficar no seu acampamento no meio do mato e sem contato com o mundo exterior. Por fim, você vai vender até a alma para tentar reverter a situação e vai ter queimado dinheiro. Se der sorte, vai ter uma troca de roupas para levar quando tiver que viver sozinho na rua(?).

Se uma pessoa que passe por situação similar a do personagem assistir ao filme, certamente chorará por dias e será de desespero, aflição e pavor. Digo isso porque é o que eu senti ao terminar de assistir ao filme. Se é desesperador pra quem tem uma perda inferior ao do personagem, não consigo imaginar como seja para quem tenha igual.

Por conta da surdez o personagem abandona a música, que era sua paixão. Ao fazer isso, o roteirista simplesmente passou por cima e defecou em nomes como Beethoven, Brian Wilson, Phil Collins e Ozzy Osbourne que continuaram a compor, tocar e gravar mesmo após ficarem surdos. Em âmbito nacional podemos mencionar a Benedita Casé, filha da apresentadora Regina Casé, que produtora audiovisual.

Tinham tudo pra fazer um filme sobre conscientização social e superação, mas optaram ir pelo caminho inverso e cavar a cova de quem quer que precise de uma luz.

Pra não dizer que estou destilando todo ódio que é próprio do signo de áries, trago uma coisa boa sobre o filme: mata a curiosidade de muita gente sobre como os surdos falam ao telefone quando mostra um telefone adaptado.

Se o propósito da academia era premiar por diversidade, que falta faz 1994, quando lançaram “minha amada imortal”, filme sobre Beethoven que ficou surdo e mesmo assim compôs e maestrou a nona sinfonia. Um filme sobre uma história de amor que trata a surdez com mais humanidade e realidade que um filme que supostamente foi feito para isso.

Finalizo esse texto as 18:10 impactada com o tamanho da crescente estupidez humana e assombrada com como um filme consegue ser socialmente errado em tantos níveis e ainda ser aceito pela Academia.

https://www.facebook.com/CronicasdaSurdez/videos/surdos-que-ouvem-benedita-surdosqueouvem/2392788894113885/

https://menthel.com.br/conheca-os-maiores-musicos-surdos-da-historia/

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SOBRE A AUTORA:

Ana Beatriz Rodrigues tem 25 anos e é advogada criminalista. Coordena comissões de diversidade de gênero e de direito militar da OAB Mirassol, além de ser membro da comissão da jovem advocacia. É pós-graduanda em direito público e em direito empresarial. Considera-se apaixonada pelo direito e pela advocacia desde que iniciou os estudos na área, aos 16 anos, pelo Centro Paula Souza.