Artigo: Saúde mental não pode ser uma folha em branco

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Por Amanda Foresto

Desde 2014 acompanhamos no mês de janeiro a campanha Janeiro Branco que foi criada com o intuito de chamar a atenção para a importância e o cuidado para com a saúde mental. Escolhido a dedo, o mês de janeiro, traz consigo o significado de recomeço, planos, metas, objetivos e sonhos a serem traçados ou até mesmo resgatados e colocados em uma folha em branco para que possam ser realizados. E desta forma possamos nos tornar seres humanos bem resolvidos com nossas questões.

Bonito o significado. Mas, para além do setting terapêutico e da importância do cuidado para com a saúde mental através da psicoterapia, existe um lado latente deste tema.

Como falar em saúde mental no Brasil? Ou melhor, como promover a saúde mental dentro do Estado Neoliberal?

Vejamos que muitas pessoas fazem uma interlocução entre liberdade e o sistema liberal. Muito mais pela etimologia da palavra do que pelo o que ela significa em si, tratando-se de Estado, uma vez que este mesmo sistema é responsável por coibir nossas liberdades individuais, quando nos obriga a pagar pelo o que precisamos e não nos concerne condições de obter formas para fazer este pagamento. Afinal, tudo, tudo, tudo, absolutamente tudo neste mundo é pago. Até mesmo o que você acha que foi de graça.

Vivemos em um país onde o salário mínimo é cinco vezes menor do que o necessário para atender as necessidades básicas de uma família comum e que ao mesmo tempo cresce o número de pessoas em situação de desemprego.

Paralelamente a esse cenário, vemos o aumento de pessoas ocupadas no setor informal, cujas quais, não contam com os direitos trabalhistas adquiridos com tanta luta e foram trocados pela simples ideia de que o trabalhador pode negociar com o patrão em pé de igualdade. Da mesma maneira cresce o índice de famílias beirando o desespero ao se tornarem estatística no gráfico de pessoas sem trabalho e mais, ao perder familiares, que eram arrimo de família, para a pandemia da COVID 19. Cidadãos que já não tinham direitos trabalhistas pois caíram na uberização do trabalho e na subalternização da vida.

Contamos ainda com o quadro de trabalho escravo que se agrava sem ser noticiado na mídia.

No Brasil, uma em cada quatro crianças apenas, consegue fazer o mínimo três refeições por dia.

Além das múltiplas violências estruturais que perpassam o cotidiano do brasileiro comum.

E então, voltamos a questão central deste tópico. Como fazer saúde mental em tempos de marginalização do cuidado e de retirada de recursos no setor de políticas públicas?

Sim! Políticas públicas são peças importantes no fazer da saúde mental. Políticas públicas efetivas. Com investimento em seus espaços, recursos humanos necessários e abrangência dos públicos que não conseguem chegar até elas.

O acesso à Educação, Saúde, Assistência Social e demais políticas garantem ao indivíduo a possibilidade de atendimento às suas necessidades, cada qual no seu âmbito, e assim oportuniza a promoção e garantia da saúde mental.

Quem consegue ter equilíbrio emocional com um filho com a barriga doendo de fome às 11 da manhã por não ter tomado café?

Quem é capaz de construir projetos para o futuro quando não consegue se quer o acesso decente à escola?

Eu poderia elencar inúmeras situações que colocariam a psicoterapia como cuidado e promoção da saúde mental no rodapé de todas elas.

Mas o que o eu quero mesmo é levar a reflexão de que sem saúde, sem comida, sem cultura, sem lazer, sem condições dignas de trabalho e sem educação ninguém é verdadeiramente livre e sem liberdade, ninguém é mentalmente saudável.

Investir energia no processo terapêutico é importante, é benigno e grandiosamente transformador de vidas. Contudo, dar para a psicoterapia o primeiro lugar no rol de soluções para resolução de conflitos existenciais, sem levar em consideração todos os atravessamentos que compõem a vida do cidadão comum, pode tornar-se insensato e antiético.

“Liberdade, liberdade!
Abra as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz”

Samba-Enredo 1989 – Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós – G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense (RJ)

Faz sentido pra você?

 

Amanda Foresto é psicoterapeuta e psicóloga social | CRP: 103/495